
Durante 8ª edição do Projeto Autoria, promovido pelo CECS, psicóloga apresenta o livro ‘Exercícios Sistêmicos para o trabalho com pessoas’, propõe escuta ética e transformadora nas Constelações, pontua importância da integração entre prática clínica e trajetória pessoal. “Sem sonho, a vida se torna íngreme”, destaca. “A pessoa segue até onde sua história permite”, pontua mediadora Yolanda Freire
O Centro de Excelência em Constelações Sistêmicas (CECS), por meio da Diretoria de Fundamentos e Estruturação Teórica, realizou no dia 26 de novembro de 2025 a 8ª edição do Projeto Autoria.
A convidada especial foi a psicóloga Rose Militão, que apresentou a obra ‘Exercícios Sistêmicos para o trabalho com pessoas’. O evento, realizado em formato on-line, pela plataforma Zoom, contou com mediação da psicóloga Yolanda Freire, diretora de Fundamentos e Estruturação Teórica das Constelações do CECS.
O Projeto Autoria é uma iniciativa do CECS dedicada à apresentação de livros voltados à formação, ao aprofundamento teórico e à troca de experiências entre profissionais e estudiosos das Constelações Sistêmicas.
O livro, inicialmente voltado a consteladores, ampliou-se para todos que trabalham com pessoas, ao adotar o termo “Facilitador” e ao oferecer glossário e referências que aprofundam o conteúdo.
Perfil | Rose Militão
Com carreira multifacetada, Rose Militão atua como psicóloga clínica (casais e família), escritora, palestrante especialista em Constelação Sistêmico-Familiar e facilitadora de grupos em diversas empresas ao redor do país. É diretora clínica do Instituto Militão e fundadora da Escola de Constelação, em Fortaleza (CE).
Especialista em Constelação Sistêmico-Familiar, desenvolve trabalhos nos contextos clínico e organizacional desde os anos 2000.
Uma das associadas fundadoras do CECS, Rose Militão integrou a primeira diretoria do Centro de Excelência em Constelações Sistêmicas como responsável pela área de Fundamentos e Estruturação Teórica das Constelações.
Reconhecimento à trajetória
Na abertura do encontro, Yolanda Freire destacou a relevância da presença de Rose Militão no Projeto Autoria. Ao apresentá-la como uma das fundadoras do CECS e primeira diretora da área de Fundamentos e Estruturação Teórica, ressaltou sua importância na consolidação de um campo que une prática, teoria e ética.
Para Yolanda, Rose representa uma profissional que alia excelência clínica, competência no trabalho com grupos e coragem institucional.
Ela relembrou o protagonismo de Rose como uma das seis psicólogas signatárias da Carta Aberta em Defesa das Constelações enviada ao Conselho Federal de Psicologia (CFP) em contestação à Nota Técnica assinada pelo presidente Pedro Paulo Gastalho de Bicalho em 03/03/2023.
Exercícios que despertam vivências
Yolanda compartilhou leitura da obra ‘Exercícios Sistêmicos para o trabalho com pessoas’, descrevendo-a como um material preciso, bem estruturado e escrito com generosidade. Segundo ela, os exercícios propostos pela autora despertam ideias, memórias e reflexões.
A mediadora observou que o livro não se limita à técnica, mas convida à sensibilidade e à escuta profunda. Destacou ainda que a obra exige um ritmo de leitura pausado, como quem degusta cada proposta e respeita o espaço interno que ela ativa.
Entre teoria e experiência
Yolanda ressaltou a relevância de escutar Rose Militão, não apenas como autora, mas como mulher cuja trajetória carrega décadas de dedicação à psicologia e às Constelações Familiares Sistêmicas. Enalteceu sua capacidade de construir caminhos entre a prática vivencial e a fundamentação teórica, o que amplia a legitimidade do campo sistêmico.
Ao dar as boas-vindas, convidou Rose a compartilhar o percurso da escrita que começou ainda cedo em sua vida profissional, mas que encontrou neste livro uma forma plena de expressão.
Referências formadoras
Rose Militão iniciou sua participação ao reconhecer a importância em sua formação do professor, astrólogo e terapeuta Maurice Jacoel, presente na live.
Afirmou que ele representou um apoio decisivo nos primeiros passos de sua trajetória, especialmente no período em que atuava no universo organizacional, marcado por lógica pragmática e foco em resultados.
Com mais de duas décadas de trabalho em empresas, relatou que sua prática incluía treinamento e desenvolvimento de pessoas, sustentado pela Andragogia, metodologia centrada no aprendizado do adulto. Ao ingressar no campo da Constelação, buscou compreender seus fundamentos, pois seu percurso anterior lhe exigia clareza conceitual e explicitação dos processos.
Do pragmatismo à fenomenologia
Rose explicou que ingressou no ambiente das Constelações Sistêmicas quando o campo brasileiro ainda se orientava principalmente por vivências fenomenológicas. Descreveu o estranhamento inicial ao buscar explicações para processos vividos de modo predominantemente sensorial.
Reconheceu Maurice Jacoel como figura fundamental para sua adaptação, especialmente por responder com paciência às suas indagações sobre método, fundamentação, limites e possibilidades. Na época, ambos iniciaram turmas de formação e dialogaram sobre a tensão entre o pensamento andragógico e a vivência fenomenológica – dois campos que se encontravam, mas não se substituíam.
Defesa ética e institucional
Ao refletir sobre sua atuação institucional, Rose relembrou o episódio da resposta técnica ao Conselho Federal de Psicologia (CFP). Segundo relatou, em face de tratamento injusto às Constelações, decidiu atuar com firmeza. Entre 40 psicólogas que inicialmente se apresentaram, apenas seis permaneceram no processo, incluindo ela.
Afirmou que a nota representou o possível à época, e que o movimento gerado pelo CFP acabou, paradoxalmente, por impulsionar o diálogo, o encontro e a reorganização interna do campo sistêmico no Brasil. Considerou o episódio um marco que estimulou revisões, aprofundamentos e processos de autorreflexão.
Dinâmica de grupo e exercício sistêmico
Rose diferenciou de modo rigoroso as dinâmicas de grupo dos exercícios sistêmicos.
Explicou que a dinâmica de grupo funciona como laboratório com início, meio e fim definidos, no qual comportamentos são provocados e analisados conforme objetivos específicos.
Os exercícios sistêmicos, por sua vez, não se enquadram nessa lógica. Para ela, não constituem uma educação de laboratório, pois operam dentro do movimento fenomenológico, que convoca o aqui e agora e acolhe o que emerge no campo.
O exercício sistêmico propõe uma tarefa, mas não se fecha em previsibilidade; abre-se para o encontro entre facilitador, grupo e fenômeno.
A complexidade da prática sistêmica
Rose observou que ensinar Constelação é tarefa de alta complexidade. Explicou que o pensamento pragmático não responde sozinho às necessidades da prática, assim como a entrega à experiência fenomenológica tampouco sustenta o processo sem organização cognitiva.
Para ela, a formação do constelador exige percepção, sintonia, compreensão do campo e manejo da intuição – elementos que não se transmitem de modo linear. Declarou que os exercícios sistêmicos favorecem esse desenvolvimento gradativo da sensibilidade, tanto em grupo quanto no atendimento individual.
O lugar do amor na Constelação
Ao aprofundar a dimensão humana da prática, Rose destacou que o exercício sistêmico treina o olhar para o que verdadeiramente importa. Afirmou que, em Constelações Familiares Sistêmicas, a pergunta essencial é: “Para onde vai o meu amor?”.
Explicou que o foco excessivo em agradar o cliente pode afastar o facilitador da figura sistêmica que precisa de inclusão.
O exercício sistêmico, nesse sentido, favorece o encontro com o outro e com o que o sistema denuncia – geralmente a pessoa excluída.
Sensibilidade, exposição e pertencimento
Por fim, Rose abordou o medo de exposição, fenômeno que considera comum entre profissionais. Associou-o ao receio de julgamento, tanto em apresentações presenciais quanto nas redes sociais.
Ressaltou que, apesar disso, o constelador precisa ocupar seu lugar, assumir sua prática e encontrar seu público. Segundo Rose, esse caminho requer coragem, rigor e amor ao trabalho, elementos que sustentam a formação e a atuação responsáveis no campo das Constelações Sistêmicas.
Caminhos que se abrem com o primeiro passo
Durante sua fala no Projeto Autoria, a psicóloga Rose Militão compartilhou uma reflexão pessoal que, segundo ela, marcou profundamente o momento atual de sua trajetória. Aos 65 anos, contou ter se deparado recentemente com um vídeo sobre a diferença entre ser velho e ser idoso. Após decidir publicá-lo, o conteúdo viralizou e alcançou 2,8 milhões de visualizações, o que mobilizou idosos interessados em seu trabalho.
Sem recorrer a métricas estratégicas, o vídeo tocou diretamente um público sensível à temática da maturidade. Para Rose, o alcance inesperado revela que o caminho se manifesta à medida que alguém decide caminhar.
Ao citar o poeta sufi Rumi — “quando você começa a caminhar, o caminho aparece” —, afirmou que o livro ‘Exercícios Sistêmicos para o trabalho com pessoas’ nasce desse gesto de entrega.
Exercício sistêmico como preparação interior
Segundo Rose, os exercícios sistêmicos constituem um espaço de iniciação e amadurecimento pessoal, anterior à própria atuação como constelador.
Ela considera o livro uma contribuição prática e afetiva para quem deseja trabalhar com pessoas. O exercício, nesse sentido, prepara o campo interno do facilitador para o encontro com o outro, provocando e permitindo ser provocado. Essa vivência estabelece um lugar de escuta, responsabilidade e expansão de consciência.
Rose ressaltou a transição que viveu entre sua atuação anterior, orientada por metas, e o universo da Constelação, ancorado na vivência e no campo fenomenológico.
A partir da introdução do livro, propõe uma distinção entre a profissional da dinâmica de grupo — com intencionalidade clara e objetivos definidos — e a consteladora, que se coloca em outro lugar de escuta, entrega e ritualidade.
No primeiro contato com Bert Hellinger, em Brasília, optou por não interpretar teoricamente o que vivia, mas apenas sentir. Reconheceu ali a travessia entre razão e experiência, entre cognição e sentido.
Entre o pensar e o sentir
Para Rose, a Constelação Sistêmica exige mais do que entrega emocional. Requer também organização mental. Acredita que sem estrutura cognitiva não há transformação genuína.
Segundo ela, vivências intensas sem reflexão podem se reduzir à repetição ritualística, semelhante a práticas religiosas desprovidas de elaboração.
Apontou como essencial o estudo sistemático da teoria. Citou como leitura obrigatória o livro ‘A fonte não precisa perguntar pelo caminho’, de Bert Hellinger, que considera uma referência em sua jornada. Destacou também a importância de espaços de aprofundamento, como o Clube do Saber Sistêmico, que coordena mensalmente com foco na leitura e análise de obras fundamentais.
Um gesto de integração
A autora afirmou que escreveu o livro não apenas para compartilhar conteúdo técnico, mas para marcar uma virada pessoal. Considera o exercício sistêmico como um novo filho. Mas reconhece que, ao abraçar essa nova etapa, acabou deixando o “primeiro filho” — a dinâmica de grupo — temporariamente de lado. Fez, então, um gesto simbólico de reconciliação: reverenciou a metodologia que lhe conferiu reconhecimento nacional e internacional e que, segundo ela, não deve ocupar lugar secundário no campo das Constelações Familiares.
Rose reiterou que cada jogo, cada vivência, cada estrutura desenvolvida no trabalho com grupos pode se integrar com profundidade à prática das Constelações Sistêmicas, desde que se compreenda sua função e se respeite sua especificidade.
Limite, ética e escuta no exercício sistêmico
A psicóloga Yolanda Freire destacou, durante o encontro, um ponto que considera central na obra de Rose Militão: a distinção profunda entre a lógica da dinâmica de grupo e a proposta dos exercícios sistêmicos. Enquanto a primeira costuma se ancorar em objetivos definidos, muitas vezes inseridos em contextos organizacionais e empresariais, o exercício sistêmico opera a partir da escuta do campo e do respeito ao ritmo de cada participante.
Yolanda apontou que, ao longo do livro ‘Exercícios Sistêmicos para o trabalho com pessoas’, Rose evidencia essa diferença ao oferecer exercícios nos quais o outro se move até onde pode, sem imposição de um “resultado final”.
Mencionou como exemplo o exercício ‘Queridos pais, abençoe o seu filho’, no qual a autora sinaliza a importância de reconhecer limites pessoais — especialmente quando há dores profundas relacionadas a pai e mãe.
Para Yolanda, esse cuidado revela uma postura ética e sensível do facilitador diante do campo sistêmico. O exercício não exige um desfecho, mas propõe um caminho possível.
A retirada ou suspensão da participação, quando necessária, não representa fracasso, mas afirmação da escuta interna.
“A pessoa segue até onde sua história permite. Essa atitude, para mim, define a base ética da prática com exercícios sistêmicos”, afirmou.
Segundo Yolanda, a abertura ao não resultado expressa respeito ao outro, valoriza o processo subjetivo e fortalece o lugar da Constelação Sistêmica como abordagem que reconhece o humano em suas potências e fragilidades.
Vínculo com os pais e a função sistêmica
Rose compartilhou um exercício que costuma propor antes de palestras ou formações: a entrada simbólica dos pais. “Abrimos a porta, e os pais entram. Nem todos recebem. O que se revela ali é a memória que cada um carrega dos seus genitores.”
Para ela, esse trabalho expõe a fragilidade das relações familiares e aponta o desafio da geração atual, marcada por traumas não elaborados.
Ao analisar o cenário contemporâneo, identificou um fenômeno social crescente: pais emocionalmente fragilizados projetando nos filhos o desejo de felicidade que não viveram.
“Essa idealização transforma os filhos em reféns”, explicou. Tal dinâmica, segundo ela, tem alimentado uma geração de crianças sem referência de autoridade e pais esvaziados de força.
O exercício sistêmico como respeito ao outro
Para Rose Militão, a prática com exercícios sistêmicos carrega um princípio ético inegociável: o respeito aos limites de quem participa. Ao refletir sobre a transição de sua atuação como facilitadora em dinâmicas de grupo para o campo sistêmico, a psicóloga ressaltou o contraste metodológico. No universo empresarial, cada comportamento do participante costumava ser avaliado, inclusive sua ausência de participação. Tudo se transformava em relatório.
A chegada ao campo das Constelações exigiu outra escuta. “Falar sobre pai e mãe fora da igreja é recente e delicado. Muitos carregam histórias de dor, de abandono, de narcisismo, e não é simples evocar esses vínculos”, afirmou.
Por isso, entende que o exercício deve tocar o outro apenas até onde ele suporta. “Não é sobre todos conseguirem acolher os pais de imediato. É sobre permitir que esse encontro simbólico aconteça no tempo de cada um”, destacou.
A Constelação e o esporte de alto rendimento
A psicóloga e consteladora Rose Militão desenvolve, há oito anos, o método denominado Constelação de Alinhamento de Resultados no Esporte (CARI), uma abordagem que articula os fundamentos das Constelações Sistêmicas ao universo esportivo de alta performance. A proposta é fruto de uma imersão longa e dedicada, que já resultou em entrevistas, atendimentos clínicos e formações, e atualmente encontra-se em processo de sistematização para publicação em livro.
Segundo a autora, a metodologia surgiu da necessidade concreta de compreender, à luz da perspectiva sistêmica, as recorrentes dificuldades emocionais e existenciais enfrentadas por atletas profissionais, especialmente no que diz respeito à relação com suas figuras parentais. Militão acompanhou por seis anos o Fortaleza Esporte Clube e, nos dois anos mais recentes, realiza o trabalho junto ao Ceará Sporting Club.
“Cada experiência é um acontecimento. O que mais emerge, com intensidade, é a dor que os atletas carregam na relação com os pais, sobretudo com o pai. As maiores barreiras não estão no campo físico, mas no campo sistêmico”, afirmou a psicóloga.
Ela destacou que, apesar de muitos atletas conquistarem altos salários e reconhecimento público, como vencimentos mensais na casa de R$ 800 mil, não conseguem manter estabilidade emocional ou financeira no médio e longo prazos.
“Estão sistemicamente fragilizados. Mais de 95% dos jogadores, após três anos do encerramento da carreira, enfrentam sérias dificuldades econômicas. Muitos chegam à falência”, informa.
O fenômeno, segundo Militão, remonta ao rompimento ou enfraquecimento dos vínculos sistêmicos fundamentais, especialmente o pertencimento familiar, que se expressa por meio da relação com o pai e a mãe.
“São eles que nos colocam em contato com nossos ancestrais. Não existe outro caminho possível para acessar essa rede de pertencimento, que é a fonte da força vital, senão por intermédio dos nossos pais — aqueles que nos deram a vida”, afirma.
A experiência do CARI mostra que a prosperidade, a abundância e a sustentabilidade emocional no esporte estão diretamente ligadas à integridade sistêmica do indivíduo. “Não se trata apenas de talento ou preparo físico, mas de estar inteiro diante da vida”, conclui.
A educação parental e o lugar do constelador
A autora destacou a relevância do constelador na discussão sobre educação parental. Entende que, diante de um mundo em que diferentes gerações — dos baby boomers à geração Z — convivem em um mesmo campo social e emocional, os profissionais das Constelações têm um papel determinante: “Precisamos falar da força do pai e da mãe. Isso dá estrutura. Isso é vínculo sistêmico.”
Criticou o estranhamento que ainda existe em torno da abordagem, inclusive por parte de entidades como o Conselho Federal de Psicologia. Para Rose, não há como compreender a proposta das Constelações sem reconhecer sua raiz fenomenológica e seu compromisso com o essencial: o pertencimento e a inclusão.
Amor, ego e autorresponsabilidade
Ao retornar à reflexão sobre o exercício sistêmico, Rose o definiu como um treino diário de amor.
“É um exercício para aprender a amar o outro com suas dores e seus limites. Isso me transforma como mãe, avó, mulher e consteladora”, constata. Para ela, o trabalho sistêmico não é movido por idealizações, mas pela coragem de olhar para si com honestidade.
Em tom pessoal e autêntico, reconheceu os desafios da própria vaidade e ambição. “Quero ser a melhor, a mais bonita, a mais rica. Mas todos os dias eu digo ao meu ego: hoje você não será o protagonista.” Assumiu que esse movimento constante de autorresponsabilização é o que a torna uma pessoa melhor, não por bondade, mas por enfrentamento interno.
Exercícios e histórias como dispositivos de transformação
Ao abordar a estrutura do livro, Rose Militão revelou que dividiu os exercícios sistêmicos em três partes, sendo uma delas dedicada à “história e pele”.
Compartilhou uma narrativa, citada na página 103, que serve de metáfora para os processos de liberação emocional. Dois monges atravessam um rio com uma jovem, mas apenas um deles continua a carregar a experiência internamente, mesmo horas depois.
“Essa história nos ensina sobre passado, presente e futuro. Sobre o que escolhemos carregar”, observa.
Rose propôs, a partir disso, um exercício prático: colocar três pontos no chão — passado, presente e futuro — e perguntar ao participante onde seu corpo sente mais pertencimento. “É revelador. Muitos se apegam à dor como se disputassem quem foi mais maltratado. Há um apego à sofrência que precisa ser reconhecido”, aponta.
Com sensibilidade, pontuou que o exercício sistêmico, diferente da dinâmica de grupo, abre espaço para o que emerge — sem forçar, sem esperar um fim predeterminado, apenas com a intenção de tocar, acolher e possibilitar um novo movimento.
Versão anterior, versão atual, versão avançada
A psicóloga Rose Militão retomou sua fala com uma metáfora poderosa: a travessia do rio como símbolo da transição entre versões de si mesma. “O rio nunca olha para trás. Nós olhamos, como referência”, afirmou. Para ela, a dinâmica de grupo representa uma versão anterior, ligada ao passado. A versão atual traduz o presente, e a versão avançada sinaliza o futuro que se deseja construir.
Rose propôs uma reflexão sobre o que se deixa para trás e o que se escolhe carregar:
“Já chega de ferida. A forma de falar, de lidar, de estar no mundo, muda quando nos reconhecemos adultos diante de adultos”.
A pergunta do milagre
Inspirada no terapeuta familiar Steve de Shazer, Rose apresentou um exercício que se tornou um dos pilares de sua prática: a pergunta do milagre. Trata-se de um convite para o participante imaginar que, ao adormecer, um milagre aconteceu e seu problema desapareceu. A proposta consiste em visualizar e descrever o que mudou, como o corpo reage, como se vive sem aquela carga.
Segundo Rose, esse movimento simbólico abre espaço para reorganizações profundas. “Todos os problemas desaparecem. O que os sustenta somos nós mesmos.” A técnica, presente na página 58 do livro, conduz o participante por três dimensões: o eu emocional, o eu mental e o eu pragmático — cada qual refletindo sobre o próximo passo a ser dado.
Com quem você parecerá menos
Outro exercício destacado por Rose envolve a lealdade invisível aos ancestrais. Ao pedir que a pessoa escreva um problema e relate como está sua vida em decorrência dele, ela então questiona: “Se esse problema desaparecesse, com quem você pareceria menos?” A resposta costuma apontar para a mãe, o pai ou outro membro do sistema familiar.
Essa reflexão ativa o vínculo sistêmico e revela o quanto, muitas vezes, a permanência na dor está associada à fidelidade inconsciente. Para Rose, esses exercícios funcionam como pequenas Constelações:
“São insights poderosos, que nos colocam diante de verdades evitadas e nos impulsionam a transformar.”
O som do sonho
Na sequência, Rose trouxe outro exercício essencial: a pergunta sobre o som do sonho. A proposta convida à introspecção, em ambiente de silêncio e música suave, para evocar um sonho guardado. O participante fecha os olhos, visualiza-se dentro do sonho já realizado e acessa as sensações que essa conquista provoca.
Para ela, esse tipo de prática ancora o propósito: “Não existe objetivo ou meta sem sonho. O sonho é a âncora. Sem ele, a vida se torna íngreme.” Rose relembrou com humildade sua tentativa juvenil de falar sobre sonhos com moradores de rua, sem compreender que o vazio de necessidades básicas inviabiliza o acesso ao campo simbólico do desejo. “Sonho só existe quando a fome já foi saciada”, pontuou.
O projeto social Florescer
Dessa vivência nasceu o projeto Florescer, com o objetivo de levar a Constelação para espaços de vulnerabilidade social, como abrigos e serviços de assistência a pessoas em situação de rua.
“Não vamos oferecer comida ou banho, mas pertencimento”, afirmou.
A proposta prevê a atuação de voluntários consteladores para trabalhar o sentimento de exclusão, não apenas do ponto de vista social, mas também sistêmico: “É uma exclusão que começa na origem, no vínculo com os pais, na história familiar. O trabalho precisa começar por ali.”
Constelação e o poder da imagem interna
Rose compartilhou uma vivência com o time do Ceará Sporting Club, onde aplicou o exercício do som do sonho antes de uma final contra o Fortaleza. Propôs aos jogadores que visualizassem a vitória e que acessassem a imagem do troféu já conquistado. Em seguida, perguntou a cada um qual era a crença que os guiava naquele momento.
A maioria citou avós, símbolos religiosos ou gestos repetidos como mantras. “Aproveitei essas imagens internas para ancorar o exercício. Fomos ao campo e ativamos esse sonho coletivo.” O resultado, segundo ela, veio não apenas no placar, mas na força emocional resgatada pelo grupo.
Sonho como alavanca de transformação
Ao finalizar, Rose reiterou que os exercícios sistêmicos ampliam a escuta e a capacidade de amar: “Essas práticas me ajudam a ser uma pessoa melhor. Não por virtude, mas por autoconhecimento. Meu ego quer tudo: beleza, sucesso, protagonismo. Todos os dias eu digo a ele: hoje você não será o protagonista do meu dia.”
Essa consciência, afirmou, nasceu no campo da Constelação, e não da psicologia: “Eu me responsabilizo por mim, e isso me torna mais humana. Mais inteira.” Em sua fala, a força do exercício sistêmico revelou-se como prática de integração: entre passado, presente e futuro; entre desejo e realidade; entre o eu ferido e o eu que deseja florescer.
Encerramento e reverência ao legado
A diretora de Fundamentos e Estruturação Teórica do Centro de Excelência em Constelações Sistêmicas (CECS), Yolanda Freire, encerrou a 8ª edição do Projeto Autoria com um agradecimento comovido à psicóloga Rose Militão.
Em suas palavras, reconheceu não apenas a presença da convidada, mas sua contribuição à história e à identidade institucional do CECS.
“Rose, você é um presente para as Constelações. Um presente para todos nós que integramos o CECS. Você firmou nosso chão, deu solidez ao passo que ousamos dar”, afirmou.
Yolanda destacou que a participação da autora reverberou não apenas no conteúdo apresentado, mas também na forma como inspirou a escuta e o vínculo entre os participantes.
“Em nome do Centro de Excelência, agradeço profundamente por sua disponibilidade, mesmo em meio a desafios de saúde. Que venham outros livros, novas partilhas e mais caminhos de expansão da consciência. Que seus escritos sigam a inspirar quem escolhe trilhar este campo”, concluiu.
Com esse gesto, a diretora selou o encontro como um marco na série de eventos do Projeto Autoria, que se consolida como espaço de circulação teórica, diálogo ético e valorização do pensamento nas Constelações Familiares Sistêmicas.
Fotos: CECS

Psicóloga clínica, escritora e especialista em Constelações Sistêmicas, Rose Militão atua com famílias, grupos e empresas ao integrar prática e teoria com ética e sensibilidade: “É um exercício para aprender a amar o outro com suas dores e seus limites”

A mediadora Yolanda Freire, psicóloga e diretora de Fundamentos e Estruturação Teórica do CECS: “O exercício sistêmico não exige um desfecho, mas propõe um caminho possível”

Participantes da 8ª edição do Projeto Autoria, promovido pelo Centro de Excelência em Constelações Sistêmicas (CECS), em encontro on-line com a psicóloga Rose Militão, autora do livro ‘Exercícios Sistêmicos para o trabalho com pessoas’
As professoras Maria Inês Araújo Garcia Silva e Sonia Suzana Caldas de Farias, do Raízes Instituto, durante encontro de reciclagem: compromisso institucional com a abordagem sistêmica
Centro de Excelência em Constelações Sistêmicas (CECS) – Assessoria de Comunicação – Contato para informações e entrevistas: (62) 9-8271-3500 (WhatsApp)



